Jorge Molder O QUE O DISCÍPULO ESCREVEU
"Se tudo é ilusão,
se escrevo a ilusão de um poema (o que quer que um poema seja),
ou a ilusão de um poema se escreve a si mesma (o que quer
que escrever seja),
através de mim (uma ausência),
se a própria consciência disso é ilusão,
se a Palavra escreve através de palavras, de verbos e de
substrantivos partilhando a mesma ilusão,
como um espelho refelctindo-se a si mesmo, uma sombra,
e se essa sombra é, por sua vez, a sombra de uma sombra de
uma sombra
da Sombra,
se o Definido, no entanto, como um espesso coração, pulsa no
indefinido e no fugidio,
ou se paradamente olha
fitando o próprio olhar,
se Homero, e Shakespeare, e Santo Agostinho,
e Buda, e Bodhidarma,
são fugazes reflexos desse olhar,
se o discípulo pergunta e o mestre não responde, ou responde
com alguma frase sem sentido (pois não há sentido),
ou se lhe bate, ou se o escorraça (pois tudo é indiferente),
Se a Indiferença é, também ela, provavelmente, indiferente,
e é indiferente que, atrás de si, permaneça, ou não permaneça,
rasto ou sombra,
se de outro modo ou do mesmo modo
algo, alguma coisa, nenhuma coisa..."
Isto foi o que o discípulo escreveu.
No entanto que mão (que mão Real) segurou a sua mão?
Manuel António Pina, Nenhuma palavra e nenhuma lembrança