quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Solidão


Quando era menina já me sentia só. Vivia, para me defender da solidão, com amigos imaginários. Para cada amigo havia também um eu diferente. Fui-me dividindo e falando com eles, isto é, comigo - um ser que continha sempre dois. Este padrão de comportamento agarrou-se-me à pele e hoje, para superar os meus medos e conseguir viver, continuo a recorrer ao imaginário. Construo histórias, invento personagens, crio enredos e, depois, deixo-me levar transfigurando o meu real em ideal.
Este passatempo não ameniza, no entanto, o meu vazio. Apenas o distrai.

2 comentários:

Anónimo disse...

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão.
O seu corpo perfeito, linha a linha
derramava-se no meu, e eu sentia
nele o pulsar do meu próprio coração.


Moreno, era a forma das pedras e das luas.
Dentro de mim alguma coisa ardia:
o mistério das palavras maduras
ou a brancura de um amor que nos prendia.


Hoje deitei-me ao lado da minha solidão
e longamente bebi os horizontes.
E longamente fiquei até ouvir
o meu sangue jorrar na voz das fontes.

Eugénio de Andrade

Filipe Pereirinha disse...

Que tal experimentar habit(u)ar-se ao próprio vazio, dar-lhe forma, moldá-lo..., no seu real, sem querer vesti-lo com toda essa tralha imaginária? Já os antigos chineses, que inventaram o taoísmo, sabiam que a via, o caminho a percorrer, passava inevitavelmente pelo vazio. Também o oleiro sabe que apenas contorna um vazio e que sem ele o pote não existiria. Ser o oleiro do seu próprio vazio...