domingo, 1 de dezembro de 2013

O concerto do corpo

Ralph Meatyard

Equilibra-se o corpo cirurgicamente cortando, limando, furando. Lixa-se, para não se ver o aspeto rugoso do que o tempo foi deteriorando, e enverniza-se para brilhar de novo. Acontece, no entanto, falando em matéria viva, que não há ferramenta que a renove, quando o que existe é decomposição.

domingo, 16 de junho de 2013

Asar

The delight of seeing photograms of insects, Henry Fox Talbot
É tempo de partir
de apreciar o voo fluido da vida
o vento nas asas
a maresia.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Desassossego

Gerhard Richter- Strich

Não sei porque volto ao desassossego.
Antes tudo era noite e silêncio, palavras engolidas, olhares melancólicos de sentimentos idos. A história fora contada, o livro acabado e arrumado nos corredores do tempo amarelecido.
Aprender a viver suspensa no meu avesso, naquele pedaço de conforto que não magoa, que me pertence e do qual sou feita, confortou-me a alma e o corpo.
Aprendi que a vida é feita de poeira, de folhas que se libertam e se baloiçam até ao chão, não pretendendo mais do que completar a sua trajectória.
Não sei porque volto ao desassossego, ao tempo de espera, à dependência da voz do outro, do seu querer e do seu desejo. Não sei porque espero tornar tangível esta minha ânsia de amor. Afinal ela apenas existe cá dentro.

Mabel Carrola, 2013

quarta-feira, 3 de abril de 2013

domingo, 17 de março de 2013

Construções interiores

Vieira da Silva “Las Grandes Constructions” (1956)  
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."
Fernando Pessoa, Tabacaria

sexta-feira, 15 de março de 2013

A escrita na pele

Photo: Edward Weston
Entrelaçar emoções a uma só voz significa estar fechado dentro de si mesmo. Sentimentos estéticos alimentam mas não o suficiente para nos fazer viver.

domingo, 10 de março de 2013

Pedras soltas

Monsato (Castelo Branco) Foto: Mabel


É preciso haver caos para que algo possa nascer.
Sou uma coleccionadora de pedras soltas, que guardo sem porquê. Depois, um dia, por mero acaso, encontro o sítio certo para com elas algo construir. Desta vez, as pedras, que não são mais do que minerais de várias tonalidades e texturas abriram-me as portas ao olhar.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Sentimentos perecíveis

Foto: minha,museu da caça , Vila Viçosa 2011

Como tudo na vida, há composições que, para além de belas, parecem perfeitas. Quando olho para esta foto, não sei dizer bem porquê, mas sinto que tem tudo a ver comigo. Talvez pela leveza e simplicidade.
Resta-me um longa caminhada até conseguir criar uma forma para os meus estilhaços interiores.

terça-feira, 13 de março de 2012

Palavras avessas

Imagina uma palavra: reta.
Encontras-lhe alguma curva?
E aresta?
E no avesso da palavra?
Vês alguma sombra aguda?
Não!
Então deixa-a descansar.
O caminho é longo e em linha recta.
Não queiras saber se as palavras têm avessos.
Construir palavras curvas, obtusas e giras, com espaços de luz, clareiras matizadas conduz-me à agudeza do significado das palavras

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

(L)evita-me...



Leva-me.
Deixa ficar o chumbo dos dias
o peso das memórias
a matéria dos sonhos.
Quero ser vento
sopro etéreo
sem contorno
volátil.
Leva-me para dias sem horas
onde o sopro se entorne
e as emoções gravitem.
Ouve.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Aventar

Paulo Nozolino
Já consegues saborear o vento sem pressa? Enquanto o não fizeres, ainda não percebeste nada sobre a vida.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Outonalidades

Brett Weston, Vintage White Sand
Encontra-me ao luar
onde o prazer da noite se mistura na maresia
onde o meu rosto se deslumbra no abismo do teu ombro
onde nada existe a não ser um corpo tingido
inerte
uma alma fria
desencantada
e o branco
agressivamente branco
numa vida de tonalidade fria



quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Cooltivar

Edward Weston- "Tomato Fields"

"Cool"tivar é o meu grande objectivo de vida. Plantar sem esperar pela colheita. Contra ventos e tempestades tudo cresce, tudo se transforma.

domingo, 7 de novembro de 2010

Sussurros

Foto:William Henry Fox Talbot

Volto ao encontro do riso e do choro das palavras, do prazer quente que elas me dão.
Desfolho-me em murmúrios desconexos e amarelecidos que, caídos no chão, baloiçam ao som do vento e se perdem na multidão.


Cai a chuva sem porquê

Garry Fabien Miller, Honesty, 1990

Cai a chuva sem porquê.

Sinto sem porquê, mas sinto.

Estou presa, dentro de mim, ao eterno (des)equilibrio do sem porquê.


sexta-feira, 2 de julho de 2010

Branco

Foto: Ralph Meatyard


O tique-taque marca o tempo
dentro do tempo um intervalo de silêncio
um hiato de vazio
um afunilamento para dentro
branco
tudo é branco
cortes profundos de branco
escorrendo.


sábado, 12 de junho de 2010

Entardecer

Foto: Edward Weston

Espera-me ao entardecer
onde o grito e a palavra se fundem na palidez
onde a história se conta de silêncio
onde o vento é a única voz

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O Carrossel da vida

Foto: Eugène Atget
O carrossel é um brinquedo de emoções. Uma metáfora da vida.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Olha...

Foto: John Szarkowski

As portas barram-nos o olhar, separam o que está dentro do que está fora e trazem o som do silêncio. Abrir portas pressupõe criatividade. No fundo, aprender a olhar para o que está dentro e fora e criar a partir do silêncio.

quarta-feira, 2 de junho de 2010


Despe o olhar... um corpo não é só um corpo.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Paranoia

Pintura: Egon Schiele, Self Portrait

Há pessoas que são piores que vermes. Mentes perversas que, não conseguindo lidar com a realidade, inventam universos paralelos, com personagens articuladas à sua medida e consoante as necessidades. Quando a realidade não encaixa na ficção abre-se o espaço perfeito para a paranoia, mania da perseguição, desconfiança da própria sombra e espionagem. Pior, começa-se a denegrir, a desconstruir o outro apenas com o objectivo de o aproximar do monstro em que agora se tornou, exactamente por não seguir a via idealizada.
Não sei porquê, mas acho que me encontro dentro de um livro de Kafka, onde o mais absurdo é elevado ao limite.
Haja paciência!

domingo, 23 de maio de 2010

Des(compassada)



As mãos são trémulas, o olhar vagueia num mundo que se torna cada vez mais inacessível. As palavras desfocadas teimam exaustivamente em repetir-se.

Quem olha não quer ver, nem ouvir, nem sentir, nem pensar.

Às vezes, quando a dor se torna tão aguda como o espetar de agulhas em feridas lacinantes, tende-se a perder os sentidos. O mesmo acontece quando temos que aceitar, de forma impotente, o passar do tempo naqueles que amamos.

sábado, 22 de maio de 2010

Tesouro incalculável

Foto: João P

Obrigado por existires e por trazeres sentido à minha vida. Há oito anos que me fazes crescer. Parabéns!

domingo, 16 de maio de 2010

Trajectórias

Pintura: J. Miró, Estrela Azul
Ontem fui voar...

O que queres para ti?



-Fale-me do seu desejo!


Fiquei sem pinga de sangue. Afinal, o que me estava a perguntar? Do que iria agora falar? Não tinha tema. O desejo não tem um tema específico e não é algo que possa ser facilmente materializado em palavras. Voltei a pensar no que iria dizer.


-Desejo... como? Desejamos sempre muitas coisas!?


- Mas o desejo pertence a cada um e, como tal, deve ter uma ideia do que deseja.


- Bem, é verdade. Mas a que área do desejo se refere? Agora que penso nisso, até parece haver uma geografia do desejo.


-Geografia do desejo? Explique lá melhor.


-Bem, não sei. Acho que me perdi um pouco nas palavras. ehhhh....bom, no fundo, eu desejo, como toda a gente, ser feliz. Como vê, não é nada original o meu desejo.


-E o que é isso de ser feliz?

-Isso também é difícil de explicar. Mas penso que a felicidade não existe.

-E ainda assim é isso que procura, o que não existe.

-Talvez. Não é isso o que procuramos todos, o que não existe?

sábado, 8 de maio de 2010

Diamante lapidado com fissuras

Foto: DoB
O poder das palavras tem mais brilho que um diamante. Sem elas como o descreveria?

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Avessos



Há dias assim, em que o riso se mistura no choro e o corpo explode numa dança de avessos.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Estado de (des)graça

Foto: Jorge Molder, Pinocchio

Pasmo perante o avesso dos meus versos brancos e a sua perspectiva tonal.

O valor da verdade

Francis Bacon, Estudo sobre o corpo humano

Há uma coisa mais dolorosa do que nunca poder ouvir a verdade- é nunca poder exprimi-la, mesmo com a melhor vontade do mundo. Porque o que quer que digamos, o outro não escuta nunca a verdade que lhe queremos transmitir. Aquilo que sai dos nossos lábios e o que se passa na alma do outro, são sempre duas coisas diferentes. No instante seguinte deixa de ser semelhante - isso depende de tantas coisas que nada tinham a ver com a tua verdade e a tua vontade de verdade - isso depende do que o outro queria ouvir, da situação em relação a ti, etc... (...)

Arthur Schnitzel, Relações e Solidão


domingo, 25 de abril de 2010

Opacidade/Luz

Foto: Helga Paris

Não te iludas. O que procuras não existe. Saber não é o mesmo que ter consciência disso. Talvez por essa razão continues a sonhar.

Fala que eu oiço


Necessitamos de uma voz que nos aconchegue, que nos dê conta da nossa existência. É nessas alturas que, quando se está só, se fala em voz alta. É como se o sujeito se dividisse em corpo e voz e um fizesse companhia ao outro. Quebra-se assim uma forma de solidão...

sábado, 24 de abril de 2010

A propósito de presenças reais

Pintura: Artur Bual, Crucificação

O que nos causa sofrimento, dor e angústia tem a ver, quase sempre, com a incapacidade que temos em não aceitar que há muito poucas coisas em que podemos intervir. Acabamos por não estar bem na nossa própria vida porque achamos poder interferir e viver a do outro. Não podemos evitar que o outro adopte determinados comportamentos e profira determinadas palavras que nos afectam. Mas, a bem dizer, cabe-me apenas a mim perceber que, faça o que fizer, a vida continuará. Se viver permanentemente na angústia e desespero será uma vida em vão. Se, por outro lado, der espaço ao outro para viver a sua própria vida, também estarei a viver a minha

No fundo, quando se ganha a devida distância, acabamos por ver que grande parte da angústia e sofrimento é causado apenas pelo próprio.



sexta-feira, 23 de abril de 2010

Beijo redondo!


Há muito que não sentia o calor do meu sorriso...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Homem que lapidava diamantes



Era, sem dúvida, especial. As suas palavras eram mais que palavras. Desvelavam emoções e

revelavam o brilho de uma alma ainda em busca de perfeição.

Lapidar o olhar é uma verdadeira arte.



quarta-feira, 31 de março de 2010

terça-feira, 30 de março de 2010

A cor da inocência



O Laço Branco (das weisse Band) é um filme desconcertante, que mexe em alicerces ingenuamente sagrados da nossa existência e nos expõe, cruamente, as máscaras da esfera pública e privada. Diria, recorrendo a uma frase de Hitchcock que neste filme “o que não se vê pode ser tão ou mais assustador do que o que se vê.”

Olha bem...

Foto: Paulo Nozolino
“Sinto um grito dentro de mim e esse grito é abafado. Acaba por ser abafado por tudo o que está à minha volta. E a consequência é talvez um choro.”
Paulo Nozolino

sábado, 20 de março de 2010

Sobre os que ficam

Johannes Itten, Die Begegnung

Eu sou, tu és, ele é, nós somos, vós sois, eles são.


Aprendi que todos são sujeitos com diferentes conjugações e que todos fazem parte de um todo a que se chama ser.


quinta-feira, 18 de março de 2010

Fumo

Mondrian, Grey tree


pazadas de terra
ritmo
som
silêncio
fim

quarta-feira, 17 de março de 2010

H a t a m q o

Paulo Nozolino

Hoje perdi as minhas imagens de aconchego. Foi-se a esperança. Ficou a realidade.No fundo, perdi tudo. Já não sei o que faço aqui.

Descorporização

Despe o corpo
entorna a palavra
sente a alma
cheia,
transbordante,
tão vazia.

terça-feira, 16 de março de 2010

POST

Jorge Molder

O AQUÁRIO DE BOHM

Em algum sítio onde és um só
como dois gémeos divididos,
entre o nó da vida e o nó
da morte, um sonho dos sentidos;

em algum passado invivido,
em algum princípio, em algum modo
da memória ou do olvido,
em alguma estranheza, em algum sono;

ou em alguma espécie de saudade
física e inicial
de seres real,
pura exterioridade.

Manuel António Pina, Nenhuma palavra e nenhuma lembrança

Scriptum

Jorge Molder

O QUE O DISCÍPULO ESCREVEU

"Se tudo é ilusão,
se escrevo a ilusão de um poema (o que quer que um poema seja),
ou a ilusão de um poema se escreve a si mesma (o que quer
que escrever seja),
através de mim (uma ausência),
se a própria consciência disso é ilusão,
se a Palavra escreve através de palavras, de verbos e de
substrantivos partilhando a mesma ilusão,
como um espelho refelctindo-se a si mesmo, uma sombra,
e se essa sombra é, por sua vez, a sombra de uma sombra de
uma sombra
da Sombra,
se o Definido, no entanto, como um espesso coração, pulsa no
indefinido e no fugidio,
ou se paradamente olha
fitando o próprio olhar,
se Homero, e Shakespeare, e Santo Agostinho,
e Buda, e Bodhidarma,
são fugazes reflexos desse olhar,
se o discípulo pergunta e o mestre não responde, ou responde
com alguma frase sem sentido (pois não há sentido),
ou se lhe bate, ou se o escorraça (pois tudo é indiferente),
Se a Indiferença é, também ela, provavelmente, indiferente,
e é indiferente que, atrás de si, permaneça, ou não permaneça,
rasto ou sombra,
se de outro modo ou do mesmo modo
algo, alguma coisa, nenhuma coisa..."

Isto foi o que o discípulo escreveu.
No entanto que mão (que mão Real) segurou a sua mão?

Manuel António Pina, Nenhuma palavra e nenhuma lembrança

sábado, 13 de março de 2010

Trajectórias



"É inútil procurar encurtar caminhos e querer começar já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prémio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta, é a glória própria de minha condição. A desistência é uma revelação".


Clarisse Lispector

sexta-feira, 12 de março de 2010

Fala também tu



Fala também tu,
fala em último lugar,
diz a tua sentença.

Fala -
Mas não separes o Não do Sim.
Dá à tua sentença igualmente o sentido:
dá-lhe a sombra.

Dá-lhe sombra bastante,
dá-lhe tanta
quanta exista à tua volta repartida entre
a meia-noite e o meio-dia e a meia-noite.

Olha em redor:
como tudo revive à tua volta! -
Pela morte! Revive!
Fala verdade quem diz sombra.

Mas agora reduz o lugar onde te encontras:
Para onde agora, oh despido de sombra, para onde?
Sobe. Tacteia no ar.
Tornas-te cada vez mais delgado, irreconhecível, subtil!
Mais subtil: um fio,
por onde a estrela quer descer:
para em baixo nadar, em baixo,
onde pode ver-se a cintilar: na ondulação
das palavras errantes.

Paul Celan, sete rosas mais tarde

quinta-feira, 11 de março de 2010

Sensibilidades

Van Gogh, Japonaiserie
Flores de cerejeira no céu escuro
E entre elas a melancolia
quase a florir
Matsuo Bashô

terça-feira, 9 de março de 2010

Percepções

John Blakemore, Ambergate
"A mesma paisagem
escuta o canto e assiste
à morte da cigarra"
Matsuo Bashô

segunda-feira, 8 de março de 2010

Escuta

Pintura: Santiago Ydáñes

Escuta
ouve a minha voz
o grito
o medo
o silêncio
porque teimas em falar?
porque não ouves?
porque te espantas?
Escuta
tudo é silêncio

domingo, 7 de março de 2010

Reconheço, logo existo?

Jerry Uelsmann

Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta cousa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.

Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 3 de março de 2010

Fragmentos

Foto: Paulo Nozolino, Espoliados, Madrid 2003


O corpo amanheceu dorido
fragmentado
deslassado.




terça-feira, 2 de março de 2010

A palavra viva

Pollock
Muro em vez de boca, cal em vez de língua. Boca em vez de muro, língua em vez de cal. Um ímpeto, uma cor, uma mancha, uma marca escrita, um círculo de terra, uma coisa viva. Tantos astros de areia, tantos rostos de pedra! E o céu vasto, redondo, completo, os vultos vivos, ligeiros, matinais. Ritmo, crescimento, inundação. Por toda a parte o silencioso calor de um animal aéreo. O mundo acendeu-se com as suas árvores transparentes. Tudo é fácil, tudo é fluido. Suavemente vazio, na nudez intacta, o corpo escreve com a espuma do ar.
António Ramos Rosa, Clareiras


sábado, 27 de fevereiro de 2010

Prazeres


Magritte, La condition humaine

Sento-me à mesa. À minha frente uma chávena de chá.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Memória de elefante




Os sótãos são locais de memórias. Guardamos toda a tralha que, por razões afectivas,logísticas e inconscientes, não conseguimos largar. O mesmo acontece com as pessoas.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Dá-me a tua mão



Dá-me a Tua Mão

Dá-me a tua mão: Vou agora contar-te como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois factos existe um facto, entre dois grãos de areia, por mais juntos que estejam, existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.

Clarice Lispector

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

After the requiem...


Malevitch- Quadro negro, 1915

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Se eu pudesse...


Salvador Dali, Horseman Death

Hoje as palavras estão manchadas.
Tal como as nódoas que teimam em não sair, em deixar marca, em alterar o tecido, também as palavras revelam a mesma capacidade. Marcam-nos, alteram-nos o tecido físico e emocional, deixam-nos uma marca definitiva.
Há dias em que gostaria de não existir na palavra.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A propósito das línguas





Não é por acaso que hoje em dia se fala muito da importância e necessidade de conhecer várias línguas. Sem entrar em promiscuidades é, no entanto, certo que quanto ao tamanho as há de todo o género: afiadas, compridas, de trapo, de palmo e meio, viperinas...
O que me parece importante é fazer algo com a língua, como, por exemplo, desprendê-la, desenferrujá-la, pô-la em forma, exercitá-la para que dela se tire o devido proveito.
Actualmente fala-se muito mal. Mal-diz-se. Não se conhece a própria língua; às vezes até nos parece estrangeira. Deve ser por isso que aprender línguas é cada vez mais difícil. Ouvem-se os professores, queixosos e deprimidos, dizer que os seus alunos sabem cada vez menos e têm cada vez menos competência na língua. Afinal onde pára a língua? Em que altura do seu crescimento é que os nossos alunos deixaram de usar a língua e passaram a (ab) usá-la? E os professores, seremos nós capazes de (re) usar a língua?